segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Mergulho no desconhecido

Um Mergulho no Desconhecido

André de Melo


Não gosto de pescar, depois que quase me afoguei pescando no rio perto de casa, nunca mais me interessei. Mas gostava. Prefiro participar daqueles grandes grupos que se unem na praia de Perequê, no mês de junho, para puxar a rede com milhares de tainhas dentro. Tainha é burra. Ela sabe que tem um monte de pescador esperando-as com as redes e mesmo assim prefere cair na armadilha. Coisa de peixe. Não fosse assim como eu iria me refestelar com uma tainha assada na brasa. Melhor que elas continuem com esse instinto animal.
Por não gostar de pescar com anzol sempre ficava de fora das pescarias de meus amigos que ficavam pacientemente esperando a hora certa de puxar o peixe para o barco. Eles me convidavam e eu inventava uma desculpa. As vezes ia espiá-los dando aqueles mergulhos e depois suas pescarias de bagre e jundiá naquele rio vivo e límpido de outrora.
Certo dia, de um azul anil daqueles de verão do suor escorrer pelo corpo, aceitei o desafio de acompanhá-los porque não agüentava mais ficar em casa naquelas tardes jogando “Final Fantasy” sozinho. O combinado era que Dico e Rafa e eu construíssemos uma espécie de trampolim para que os mergulhos no rio ficassem mais divertidos. Após o nosso protótipo de trampolim ter ficado pronto os dois começaram a dar pulos e eu só observando. Eles me chamavam para participar, mas eu só lembrava daquele terrível dia e estava até preocupado que meu pai me pegasse na beira do rio, aí era surra na certa. O anzol, a vara, o barco estavam ali só esperando Dico e Rafa para mais uma pescaria depois de tanta farra com o trampolim.
O tempo foi passando e nem lembramos mais que havia peixes no rio de tão legal que estava a brincadeira. De repente silêncio, na ponta sul, no meio do rio, um barco, um homem dentro. O vento começou a bater mais forte. Os eucaliptos se curvando na margem do rio atestavam isso, ao mesmo tempo em que Zéfiro soprava aquele elemento novo para perto de nós. Aquele homem no barco inexplicavelmente sugava a nossa atenção. Estávamos parados ali na margem, os três, só esperando o que poderia acontecer. Rafa, se pelando de medo, queria ir embora.
- Vamo embora galera, to bolado, já ta escuro e não sei quem é esse cara!
E as águas começando a turvar, mas a gente não arredava pé dali. O homem branco, muito branco, para na frente de nós a uns quinze metros de distância. Aquela altura já estávamos escondidos atrás do capim. De súbito os peixes que ondeavam a água do rio começaram a pular para dentro do barco. Eu não sabia se corria ou se ficava. O homem de chapéu e palheiro ergueu o imponente anzol, a agulha e os mergulha. De repente silêncio. Já estava escurecendo. A linha submersa parecia cortar o rio e o homem tranqüilo fumando o palheiro esperando. Um pássaro sobrevoa rasante sobre nossas cabeças de um lado para outro e pousa no ombro do pescador. A gente não entendia nada. Dico já chorava baixinho. A gente não entendia nada. Até eu e o Rafa já estávamos assustados. Sair dali? Como? Era um misto de pavor e curiosidade que nos apossava.
De súbito a vara começa a arquear-se e daí para frente o que vemos é a luta do ser humano contra o animal. A luta é pela vida, pelo orgulho do pescador em pegar o maior, o mais valente peixe. O peixe é realmente grande, garboso e prata, falo sério, o peixe é prata de um metal lustroso que chegava a iluminar a noite e nos hipnotizar.
- Uhu! Peguei, é ele, ah! Não acredito!
Que grito assustador, que alegria aquele homem estava sentido ao pegar o maior e mais bonito peixe, parecia um sonho. Só o peixe um sonho. O resto realidade.
Com demora ele tirou o anzol, a agulha que encravava a boca do animal que parecia querer balbuciar alguma coisa e se debatia violentamente balançando o barco. Ouvimos o som da faca, o rasgão brutal no seu corpo. Víamos tudo porque os vaga-lumes em bando rodeavam aquela cena. O corvo com os olhos brilhando olhou e gralhou em nossa direção. O gosto amargo que surgia na boca, o frio na barriga, não deu outra, saímos correndo mesmo com o Dico vomitando deixando uma linha acre e viscosa pelo caminho.
Cheguei em casa, contei para meu pai o que havia visto, e ele já me esperava com a cinta na mão. Dei um jeito de convencê-lo a me ouvir e ele se lembrou da lenda da truta prateada. Um magnífico peixe que oferecia a imortalidade a quem pescasse e comesse sua carne. Voltei correndo ao rio, porém não vi o homem, não vi o peixe, o pássaro, o que havia era só o barco e a escuridão.


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